Carta foi entregue ao Diretório Estadual na última sexta-feira (26). A socialista deverá se filiar ao PT na próxima quinta-feira.
Por: Sávio Gabriel
Na carta, a ex-socialista elencou alguns episódios que a deixaram descontente com a condução dada ao partido e não poupou críticas ao PSB. Foto: Nando Chiappetta/DP |
Por meio de sua
página no Facebook, a vereadora do Recife Marília Arraes anunciou, na tarde
deste sábado (27), sua desfiliação do Partido Socialista Brasileiro (PSB). A
carta de desfiliação, direcionada ao presidente do partido em Pernambuco,
Sileno Guedes, foi protocolada na última sexta-feira (26) no Diretório
Estadual. No documento, divulgado na íntegra, Marília faz uma série de críticas
ao antigo partido, elencando alguns episódios.
Segundo a
ex-socialista, criou-se uma "atmosfera para o controle à mão-de-ferro,
tanto do próprio PSB quanto da política de Pernambuco em toda a sua
estrutura". Ela ainda acusou a cúpula do partido de "querer comandar
desde simples decisões internas partidárias, que coubessem a escolhas
democráticas e colegiadas, até o desenrolar de toda a cena e atores políticos
do Estado". Marília também afirmou que "atitudes bajulatórias,
principalmente para com a família Campos e os que gravitam em torno dela,
tornaram-se praxe entre os integrantes do PSB".
No documento,
Marília Arraes também afirmou ter sido vítima de ofensas e retaliações desde
2014, ano em que ela rompeu politicamente com a antiga legenda. Segundo ela,
tais episódios tornaram "insuportável" a permanência dela no que
chamou de "simulacro de Partido Socialista Brasileiro". A vereadora
criticou, ainda, as alianças feitas em 2014, especialmente com o PSDB. A
aliança com os tucanos, na avaliação de Marília Arraes, foi "de encontro a
tudo o que o PSB pregou, batendo de frente com aliados históricos e
beneficiando toda uma curriola de direita que tudo fez para erradicar
conquistas obtidas a muito custo".
De acordo com a
mensagem publicada no Facebook, o destino da vereadora e a data de filiação ao
novo partido serão divulgados em breve. No entanto, após deixar o PSB, a
legisladora deverá se filiar ao PT. Na última terça-feira (23), o ex-prefeito
do Recife, João Paulo, divulgou em seu Twitter que a cerimônia de filiação
ocorrerá na próxima quinta-feira (03), às 18h30, na Câmara dos Vereadores do
Recife. O presidente Sileno Guedes não foi localizado pelo Diario para comentar o caso.
Entenda o caso
Prima do
ex-governador Eduardo Campos, Marília Arraes rompeu com o PSB em 2014, em plena
campanha eleitoral. Na ocasião, a então socialista anunciou que apoiaria o
petebista Armando Monteiro, adversário do governador Paulo Câmara (PSB), para a
disputa ao governo do estado. A vereadora argumentou que não concordava com
algumas posturas políticas adotadas pelo partido.
Confira abaixo a
íntegra da carta de desfiliação de Marília Arraes:
Ilmo. Sr.
SILENO GUEDES
Presidente Estadual do PSB
Prezado Senhor,
Como é do conhecimento
de todos, possuo uma identidade histórica com o PSB e sempre defendi de forma
aguerrida e corajosa os objetivos e os princípios do partido. Identifico-me
integralmente com a luta socialista e faço dela o meu objetivo diário na política
e na vida pessoal. Acredito na liberdade, na democracia, na participação
popular, na socialização dos meios de produção estratégicos e fundamentais ao
desenvolvimento do país, na criação de novas formas e sistemas de produção e na
perspectiva de um desenvolvimento sustentável. Não admito qualquer forma de
preconceito, de opressão, de marginalização de pessoas e luto para combater os
antagonismos de classe e a exploração.
Firme nessa convicção,
sempre contribui com o PSB no diálogo com a sociedade e nas disputas
eleitorais. Desde muito cedo, acompanhei Dr. Miguel Arraes em sua atividade
política, participando e aprendendo com o seu modo sério, democrático e
socialista de se posicionar. Em 2008 e em 2012, fui eleita vereadora do Recife,
em campanhas vitoriosas que contribuíram para o crescimento do partido e para a
sua consolidação nos cenários municipal, estadual e nacional.
Em meio a este
contexto de crescimento meteórico, foi-se criando uma espécie de atmosfera, por
parte de um núcleo duro da legenda, para o controle à mão-de-ferro, tanto do
próprio PSB quanto da política de Pernambuco em toda a sua estrutura, em busca
da ocupação completa de todas as instâncias de poder existentes, nas esferas
estadual e municipal: Executivo e Legislativos Municipais, Judiciário e
Tribunais de Contas, utilizando-se dessas últimas instituições, inclusive, como
"polícia política". A cúpula dos que mandam no partido passou a
querer comandar desde simples decisões internas partidárias, que coubessem a
escolhas democráticas e colegiadas, até o desenrolar de toda a cena e atores
políticos do Estado. Desta maneira, os militantes, foram alijados de qualquer
participação na construção democrática, já que a nós cabia não só homologar
todas as decisões que vinham "de cima", mas também aplaudi-las de pé.
Atitudes bajulatórias, principalmente para com a família Campos e os que
gravitam em torno dela, tornaram-se praxe entre os integrantes do PSB.
Posso exemplificar e
provar o que digo. Durante o ano de 2014, houve a tentativa descabida de se
impor uma verdadeira intervenção na juventude do partido. Quando todos
esperavam que houvesse uma disputa e diálogo saudáveis dentro do segmento -
que, diga-se de passagem, é a base da formação de quadros partidários - de
repente, somos surpreendidos com a notícia de que a JSB/PE seria comandada por
João Campos, filho de Eduardo Campos, que dias antes, em visita à sede do PSB,
havia singelamente conversado com os jovens das chapas postulantes ao congresso
estadual do partido, dizendo que queria conhecer sobre o funcionamento da
Juventude Socialista. Sem nenhuma militância, construção deste caminho, nem
justificativa política. Aliás, para muitos, era algo plenamente justificável:
"A ordem veio de cima".
Partindo para a política macro, acompanhamos com muito pesar a formação
das alianças celebradas pelo PSB para eleições de 2014. Como uma verdadeira
reedição da retrógrada e extinta "União por Pernambuco", numa atitude
cheia de pragmatismo, contradição e com zero preocupação ideológica, o PSB-PE
aliou-se a DEM, PSDB, PMDB e PPS, adversários históricos, não somente do ponto
de vista eleitoral, mas principalmente em relação aos ideais e às lutas
encampadas pelo PSB. Partidos reacionários, muitos que sempre representaram a
violência, a ditadura e a opressão em nosso país. Tudo isso reflete uma mudança
substancial do programa e dos objetivos basilares do PSB, partido nascido na
luta pela democracia e pela liberdade.
Não posso esquecer de
citar o episódio revoltante do inimaginável – até então - apoio dado ao PSDB de
Aécio Neves no segundo turno das eleições presidenciais, indo de encontro a
tudo o que o PSB pregou, batendo de frente com aliados históricos e beneficiando
toda uma curriola de direita que tudo fez para erradicar conquistas obtidas a
muito custo. Mesmo antes da morte do ex-governador Eduardo Campos e da escolha
da ex-ministra Marina Silva como candidata (e seu discurso disfarçadamente
liberal), ficou mais evidente ainda a guinada à direita que o antigo Partido
Socialista Brasileiro deu, contrariando seus princípios, seu estatuto e,
principalmente, sua história.
Também não posso me
furtar de salientar as repetidas ofensas e retaliações de que fui vítima desde
2014. De darem meu nome a uma cadela no comitê do então candidato a governador
Paulo Câmara às criminosas pichações com ofensas à minha honra pelos muros do
Recife, passando por tentativas ignóbeis de intimidação e cerceamento de minha
voz e de meu mandato, por meio de manobras regimentais que me alijaram da
titularidade de qualquer comissão na Casa de José Mariano, chegando até ao
absurdo de cabos eleitorais travestidos de candidatos a conselheiro tutelar,
incentivados pela cúpula do partido, me xingarem dentro da própria Câmara de
Vereadores, num desrespeito flagrante às instituições e à democracia. Sempre
fui uma militante disciplinada e, se minha discordância se tornou pública, foi
porque as instâncias internas do partido jamais a levaram em consideração. Dia
após dia, foi-se tornando insustentável a minha permanência neste simulacro de
Partido Socialista Brasileiro.
Voltando às eleições
de 2012 e 2014, a legitimidade política da escolha dos candidatos na última
eleição foi democraticamente questionável. Não somente o candidato e atual
governador, mas a maioria dos candidatos proporcionais ditos
"prioritários" dentro do partido, não consolidaram sua candidatura
por meio de militância política e reconhecimento de atuação. Como é de conhecimento
geral, a indicação dos candidatos ocorreu de maneira impositiva, através da
determinação de dirigentes que trataram os órgãos deliberativos do partido como
simples homologadores de decisões já tomadas. O que avalio ser muito grave foi
a naturalidade com que a imprensa e grande parte da sociedade encarou o
desenrolar da unção dos escolhidos. Mais ainda: aqueles que internamente
discordam não são ouvidos e, pior, são taxados de subversivos e sofrem uma
perseguição digna de uma ditadura.
É essencial,
entretanto, que eu faça um mea culpa - ou melhor, meu e de quadros históricos
do PSB, mesmo os que não conseguem se pronunciar e romper com o atual
sistema - acompanhado de uma profunda reflexão. Fomos excessivamente tolerantes
com diversas, pequenas e isoladas, atitudes do comando partidário, em especial
a partir do ano de 2011. Tolerância e complacência estas que, certamente,
desaguaram na situação atual de extrema incoerência em que o Partido Socialista
Brasileiro se encontra. De alguns anos pra cá, o pragmatismo descaradamente
superou a ideologia e muitos de nós (entre os quais me incluo até o ano de
2014) subestimamos tais fatos ou calamos por disciplina partidária e, mais
ainda, tínhamos esperança de que tratavam-se apenas de meios para se chegar aos
objetivos principais, quais sejam, fazer que a máquina pública efetivamente
funcionasse para o combate à desigualdade social.
Ao contrário do
esperado, a condução política dos que hoje mandam no partido foi equivocada,
ou, porque não dizer, de má-fé. Perdeu-se o controle das concessões ideológicas
e prioridades pragmáticas. Quando se trata das diretrizes de gestão, aqui em
Pernambuco, onde o Partido Socialista Brasileiro comanda o Estado e a capital,
o que temos são governos cada vez mais à direita. Os governos do PSB -
principalmente a Prefeitura do Recife, já que do Governo do Estado pouco se
escuta falar - têm um claro desprezo pela população mais carente, típico das
forças mais retrógradas e reacionárias que conhecemos. Para a classe média,
disparam, sem o mínimo pudor, falácias que desrespeitam a inteligência dos
cidadãos.
Estou certa de que
muitos socialistas concordam plenamente tudo o que expus e, por receio da
perseguição que podem sofrer por parte dos que hoje dominam Pernambuco,
calam-se, aplaudindo, todavia, por debaixo da mesa.
De tal modo, venho comunicar, através desta, a minha desfiliação do Partido Socialista Brasileiro.
Atenciosamente,
MARILIA ARRAES
Vereadora do Recife
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